top of page
Foto 83 - Risi sorrindo_edited.jpg
Risiane

Entre o beneficiamento dos pescados e invisibilidade na pesca

Risiane nasceu em Taboquinhas, zona rural próxima à vila de Serra Grande. Com 39 anos, vive há mais de 20 anos em Serra Grande, desde quando se casou com Rubem. Em sua comunidade Risiane pescava no Rio, com seus familiares, mas foi quando se mudou para Serra Grande que aprendeu a mariscar no mangue com Rubem e sua família.Pescador nativo de Serra Grande, Rubem pertence a família de seu Badu, uma das mais antigas da vila, e reconhecida como uma grande família de pescadores. Seu Badu foi o primeiro presidente da Associação de pescadores e marisqueiras, e atualmente Rui, seu filho, é o vice-presidente da associação.

A família Badu habitava as margens do Rio Tijuípe até as transformações socioespaciais recentes impostas pela especulação imobiliária na região. Há aproximadamente 20 anos, as terras em torno da Foz do Rio Tijuípe foram compradas por grandes empresários dos pescadores que mudaram-se para regiões mais distantes do mangue e da faixa litorânea. A Família Badu, naquela época mudou-se para cerca de 5 km da Foz do rio, onde atualmente é chamada a Vila Badu. Mas mantém alguns barracos no mangue, na Foz do rio, onde o atual proprietário permite pequenos barracos de lona para os pescadores tradicionais. Rubem nos contou que seus pais às vezes passam mais de um mês ali.

Família Badu

Risi e Rubem costumam ir todas as semanas para a “Barra”, lá passam entre 1 e 5 dias, muitas vezes vão acompanhados de outros pescadores e pescadoras. Rubem vai muitas vezes com o irmão Rui, seu parceiro de pesca tanto na Foz do Rio, quando em mar aberto quando saem de barco.Risi gosta de ir para a Barra com Dona Paula, pescadora antiga da Vila, e vizinha de Risi. As duas descem juntas para a Barra e passam dias, pescando pequenos peixes de vara, camarões de jereré , siris de siripóia, aratus e caranguejos de mão.

Risiane - Pescadora/ Siripóia - Armadilha de pegar Siri

Risi também ajuda o marido, que em geral pesca no mar aberto peixes maiores, e Tainha na Barra, os quais ela limpa, divulga e comercializa. Em Serra Grande a complementaridade é parte do modo de vida pesqueiro. É comum homens pescarem e suas companheiras ou mães, beneficiarem e comercializarem o produto em suas casas. Ela me afirmou que o trabalho da pesca é dividido entre eles. Em geral, Rubem vai pescar quase todos os dias, e Risi se divide, um dia vai com ele pescar, ela não joga a tarrafa, mas pesca de molinete no mar, pega caranguejos e siris e o acompanha ao longo do dia. No dia seguinte ele vai pescar novamente, mas ela fica em casa para limpar os peixes pescados no dia anterior, embandeijar, pesar e vendê-los. Isso inclui pesquisa de preço e divulgação em redes sociais.

Risi e Rubem limpando peixe

Tive a oportunidade de acompanhar Risi e Rubem em diversas pescarias entre a Barra do Tijuípe e as saídas em mar aberto. As visitas à Barra ocorrem sempre que Rubem não vai para o mar,  já que para a Barra não é necessário lua ou maré determinada. Em geral, as tainhas estão mais acessíveis quando a maré está enchendo e o mar está entrando para o rio, mas como as idas em geral acontecem durante um dia inteiro ou mais de um dia, é apenas uma questão de esperar a melhor hora para as tainhas, e enquanto isso, aproveitar a maré seca para pegar siris e caranguejos.Quando passam vários dias no “barraco”, como chama Risi a casa de lona localizada no mangue, eles levam apenas sal, farinha e dendê para complementarem a sua alimentação. A água eles buscam no próprio rio, alguns quilômetros acima, os quais percorrem de lancha. A lancha já fica estacionada ali mesmo no mangue, e assim eles possuem uma estrutura completa para sua estadia. Entre os barracos de lona, estão mesas, bancos, e tonéis de água doce, tudo coberto com lona e sem vegetação, propiciando um ambiente de convívio confortável em meio ao sol e ao manguezal. Separados desse ambiente principal existem dois outros ambientes, um com o fogão a lenha que possui uma mesa na qual está apoiada o fogão, a lenha separada para fazer fogo, restos de sal, dendê, uma grade para colocar os peixes no fogo e uma panela para ferver os siris e caranguejos.

Fogão a lenha no acampamento

O terceiro ambiente seria a ducha, cercada de lona, com tábuas no chão e uma escada que leva a uma plataforma mais alta. Rubem nos explicou que sua mãe coloca um barril de água em cima daquela plataforma, encaixa o chuveiro e então funciona como ducha. Para a pesca na Barra, existe certa espontaneidade, tendo tempo disponível, é possível ir e pegar o que tiver. Assim, a pesca no mangue torna-se mais acessível para Risi, que vai sempre que pode e permanece o quanto lhe é possível, devido a seus afazeres domésticos, o cuidado de sua filha, e a necessidade de beneficiamento, armazenamento e comercialização dos pescados.

Peixe assado no acampamento

A pesca no mar, exige mais organização e disponibilidade. Para ir para o mar é necessário que Rubem e Rui estejam disponíveis por 2 ou 3 dias, e além disso, o clima esteja favorável. Eles saem para o mar logo ao amanhecer, levam farinha, dendê, gelo e água, para manterem-se por 2 ou 3 dias a cerca de 18 km da costa. Atualmente pescam de barco, já que a pesca de jangada tornou-se inviável após a proibição da retirada do pau de jangada que a família Badu sempre utilizou para fabricar suas jangadas. A saída com o barco envolve um investimento maior, pois gasta-se no mínimo R$80,00 de combustível, além do gelo, água, e alimentação. É por isso, que conforme me afirmou Risi a pescaria tem se tornado cada vez mais difícil. Existem barcos de pesca industrial que com outros instrumentos pescam gigantescas quantidades de peixe, e baixam muito o seu valor de venda. Sendo assim, o enorme esforço físico de muitos dias sem dormir, alimentando-se pouco e com a incerteza de não pescar o suficiente nem mesmo para arcar com os custos da saída, a pesca tem se tornado cada vez menos exercida por pescadores e pelas novas gerações, que tem buscados outras formas de renda mais seguras.

Risi limpando peixe

Chegada da pesca no mar

A chegada do barco era um momento compartilhado por toda a família. Risi aguardava a chegada, auxiliava-os na chegada, tomava as providências seguintes para o desencadear da comercialização dos pescados, e tudo isso, ela me afirmou fazer por amor, para ajudá-los em seu trabalho que é muito duro. Após empurrarmos um barco de aproximadamente 500kg, entre 8 pessoas, apenas com os braços e o auxílio de um carrinho  de reboque puxado a mão, Rubem me disse:“E ainda tem gente, depois disso tudo, que vai dizer que o peixe tá caro, que eu não fiz nada, só peguei o que já tava lá.”

Rubem e Rui

O espírito de solidariedade e companheirismo partilhado não só entre pescadores mas também entre familiares, indica a superação da atividade como estritamente comercial. Ser pescador artesanal implica em uma sociabilidade própria. Esta solidariedade se estende às mulheres, que trabalham duro, acompanhando seus companheiros em pescarias continentais, apoiando-os na chegada dos barcos, empurrando e descarregando os barcos, beneficiando a pescaria, comercializando, e cuidando de seus companheiros e filhos quando chegam exaustos do mar.

Risiane - Ajudando o marido na chegada do mar

Após estacionados os barcos, cada dupla seguiu para o seu respectivo barco para terminar os preparativos de volta a casa. Rubem começou a dividir os peixes por três, e Risi, ao seu lado, o ajudava a dividir de forma justa:

 

“Essa guaiúba grande aí tinha que ir pra lá, porque só tem pequeninho lá….”

Cópia de GOPR0046_edited.jpg

Peixes

Eu perguntei a Risi sobre a divisão e o quanto ela recebia como sua parte,ao que ela me explicou:“A gente faz para ajudar, não pelo dinheiro.” Assim como as mulheres de Barra Grande, a participação da mulher na pesca feminina, não diz respeito diretamente à comercialização e remuneração, ela está associada ao cuidado familiar, seja trazendo comida para casa, seja apoiando o marido em seu trabalho. Quando a pescaria é farta, elas podem receber algum benefício financeiro, seja vendendo o peixe/polvo extra no caso de Barra Grande, seja retirando uma parte do lucro das vendas para si, no caso de Risi, mas em ambos os casos, a atividade não tem como objetivo o dinheiro, e sim o cuidado familiar.

​

“Eu sempre separo R$80,00-R$100,00 já pra próxima pescaria. Já fica guardadinho, mas eu não tiro nada pra mim não.  Olha essa pescaria de hoje, que foi ruim, de média pra ruim, cada menino aí [Rubem, Rui e Rubenilson], vai sair com uns R$300,00, eu não tenho coragem não, de ainda pegar alguma coisa pra mim. Assim, igual teve uma vez aí, que eles pescaram mais de 80Kg, aí eu peguei R$250,00 pra mim, tirei um pouquinho do de cada um, mas em geral não pego não, porque já é muito pouco.”

Risiane - Pescadora/ Preparo do peixe

Dona Paula
Dona Maria
Dona Nane
Claudia
bottom of page