top of page
Foto 71 -Dona Paula pescando no Rio Tijuípe.JPG
Dona paula

sobrevivendo além das barreiras

“Desde a idade de 8 anos que eu pesco e vou morrer nessa ai. Pesco Branquinho, Robalo, o que vier…bateu em meu anzol, eu tô pescando.”

Foto 67 -Dona Paula sorrindo.png

Dona Paula sorrindo

Dona Paula me foi apresentada por Risiane, também pescadora. Moradora do Bairro Novo, lugar em que vive há mais de 30 anos em Serra Grande, Dona Paula nasceu em Uruçuca e se mudou para a vila de Serra depois que os pais morreram. Hoje vive sozinha com o neto que chama de filho, já que o adotou de uma de suas filhas. Outra filha, adoentada, mora em frente a sua casa, com outros netos os quais Dona Paula ajuda a criar.Dona Paula conta que aprendeu a pescar sozinha no rio em Uruçuca. Seus pais não pescavam, mas ela gostava do rio e começou a pegar peixes com o jereré, espécie de rede amarrada a um arame circular. Depois ela decidiu comprar um anzol e linha, e voltava para casa cheia de Beré e Traíra. Diz que aprendeu sozinha, por amor, e que pescar para ela é uma benção.

Dona Paula - Pescadora

Colonizada, com 63 anos, atualmente Dona Paula é aposentada como pescadora pela colônia. Antes de aposentar, como ela conta, trabalhava meio horário de gari para a prefeitura, e vendia alguns peixes para complementar a renda. Mas agora que se aposentou não vende mais, guarda os peixes para comer e dar para a filha, como forma de ajudá-la a alimentar seus netos. Risiane, sua vizinha também pescadora, conta que também já ganhou muitos peixes de Dona Paula.Dona Paula vai semanalmente pescar na Barra do Tijuípe, passa alguns dias no barracão de lona que possui lá, onde vai guardando os peixes que pesca, já limpos no sal, para conservá-los até seu retorno. O pouco gelo que leva em garrafas pet, são para conservar os camarões que ela usa de isca.

​

​Ela conta que quando o marido faleceu passou um ano na Barra sozinha. Era onde se sentia tranquila, apesar de todo sofrimento com a morte do marido e toda a dificuldade para criar, sozinha, o neto que adotou. Mas hoje em dia, ela afirma passar três ou quatro dias no acampamento da Barra e depois retorna para sua moradia no Bairro Novo.Seu neto/filho atualmente trabalha e quando está de folga a acompanha na pescaria. Dona Paula garante que ele gosta muito de pescar, mas não consegue viver exclusivamente da pesca, e por isso possui outro emprego formal e só pesca quando pode.

Dona Paula - Pescadora / A pescaria é tudo

O barraco de lona de Dona Paula na Barra do Tijuípe, está lá desde antes de colocarem as cancelas que atualmente controlam a passagem. Mas apesar de todos esses anos, atravessando-na semanalmente, ela ainda é submetida a constrangimentos e maus tratos por parte dos porteiros/seguranças que controlam a passagem de pescadores pela propriedade, agora privada.

​

​Ouvimos sobre outras tensões entre pescadores(as), proprietários e novos moradores, como o caso em que o gerente de um grande empreendimento hoteleiro na região, afirmou que todos pescadores são ladrões e que “catam tudo o que vêem pela frente”, acusando-os de roubarem cocos caídos no chão para consumo, ao longo do caminho.Esse preconceito retrata a diferença fundamental que está na relação com o mundo natural entre nativos e os que chegaram recentemente. Com distintas ideias sobre uso e propriedade do território, os chegantes desconhecem o modo de vida nativo tradicional extrativista, orientados pela lógica capitalista.

Pescando no mar

Pesca na Barra

Foto 68 - Dona Paula com sua vara e samburá_edited.png

Dona Paula com sua vara e samburá

Quando sai para pescar com Dona Paula na Barra do Tijuípe, ela levava apenas uma sacola com algumas frutas, em especial bananas, um balde com uma garrafa pet com água congelada dentro, e uma mochila, na qual levava algumas roupas e alguma roupa de cama.Descemos de carro pela estrada que levava até a primeira cancela, lá só é permitida a entrada de carro se acompanhado de pescadores. Após o desrespeito e a desconfiança do segurança da primeira cancela, passamos e chegamos a segunda cancela. Dali em diante só se pode entrar de carro se for apenas deixar a pescadora e voltar imediatamente, caso contrário é necessário estacionar o carro ali e caminhar cerca de 1 km por dentro da propriedade até a área do acampamento. Muitos funcionários trabalhavam e as mansões cerca de 7 ou 8 contando com a casa geral, administração, churrascaria, salão de jogos, e casas de hóspedes, estavam todas vazias. Dona Paula me explicou que quando tem hospedes, não podemos caminhar por aquela trilha, e então somos transportados por um carrinho (estilo de golfe) que passa por outro caminho para não sermos vistos pelos hóspedes.

​

​Ao chegarmos à beira do mangue, entramos no manguezal e Dona Paula logo gritou seu Zé, avisando de sua chegada. A casa de Seu Zè é a primeira na trilha que vai para o barraco de Dona Paula. Ele mora lá durante todo o tempo, mas não estava quando passamos. Caminhamos mais alguns metros e chegamos ao barraco de Dona Paula. Ela retirou a chave que levava pendurada no pescoço e destrancou o cadeado.

Dona Paula - Pescadora/Barraco de lona

A casa era um quadrado de madeiras e lonas rasgadas, o cadeado não protegia bens de valor material ali dentro, o que havia ali não tinha valor monetário, o cadeado protegia o espaço físico que lhe garante a condição de ir pescar. Dona Paula entrou e não nos convidou para entrar, já que não caberíamos nós duas, no espaço que continha uma mesinha, alguns colchões empilhados e algumas vasilhas espalhadas pelo chão devido a falta de algum armário que as pudesse organizar. Havia também algumas roupas e facas espalhadas na mesa e sob os colchões, mas não havia banheiro, cadeira, nem luz…Escuro, o barraco é a alegria de Dona Paula, e é notável a luminosidade de seu sorriso ao entrar ali.

Dona Paula - Pescadora / Gelo para conservar o camarão

Dona Paula entrou e disse que iria preparar o gelo para o camarão antes de  sairmos. Com o gelo quebrado, ela colocou alguns camarões no cofo (cassuá) e o resto do camarão ela colocou no isopor com gelo. Eu lhe perguntei de onde vinham esses camarões e ela me explicou que antes costumava pegar camarão de jereré ali no mangue, mas que ultimamente não estava tendo, então ela tinha que comprar de Ilhéus. Os relatos de Dona Paula sobre a redução ou fim de determinadas espécies, ressoa o de todos os pescadores e marisqueiras com que conversei na região. Camarões, Robalos, tainhas, aratus tem sumido da região, e os motivos relatados por eles são muitos: Pesca industrial que impede que os peixes cheguem na costa, carcinicultura que tem mudado as propriedades do mangue e afetado na reprodução de caranguejos e aratus, turismo e crescimento demográfico na costa que espanta os animais, desequilíbrio ambiental causado pelo derretimento das geleiras, vazamento de óleo e assoreamento devido à construção do Porto Sul (empreendimento portuário que está sendo construído há 20 km da vila).

Foto 69 -Dona Paula com peixe.JPG

Dona Paula com peixe

Quando Dona Paula estava pronta, ela levava um boné com o brasão do Brasil na cabeça, uma camisa de botão bem envelhecida, bermuda de lycra, o coifo (caçuá) pendurado em um braço e a varinha de pesca. Dentro do coifo iam camarões em um vasilha feita do fundo de uma garrafa pet, linha de nylon, e uma garrafinha com óleo de dendê. Saímos para pesca, atravessamos um braço do rio que passava atrás do barraco e seguimos para a Barra, Dona Paula mencionou que a maré ainda estava enchendo, e por isso não podia pescar no rio, curiosamente me lembrei que quando fomos ao mesmo local com Rubem, ele me disse que quando a maré está enchendo é o melhor momento para jogar a tarrafa. Assim, conclui que as diversas formas de pesca fazem com que cada pescador pegue uma espécie distinta com seu método próprio.

Foto 70 - Dona Paula pescando no mar.JPG

Dona Paula pescando no mar

Chegamos a boca da Barra e Dona Paula foi entrando para dentro do mar, com a boca partiu um pedaço de camarão e encaixou no anzol, a outra parte do camarão ficou presa pelo lábios até precisar de nova isca no anzol. Assim, quando o peixe pegava a isca e fincava no anzol, ela com uma mão segurava a varinha e com a outra fazia um movimento pendular trazendo o peixe para perto, retirava-o do anzol e colocava-o em seu coifo, depois pegava a isca na boca e prendia ao anzol tornando a jogar a linha no mar. Fiquei com Dona Paula por volta de 4  horas e durante aquele tempo, ela pegou  quatorze carapebas pequenas. Era por volta das onze horas da manhã e ela me disse que ficaria ali até uma ou duas da tarde quando a maré enchesse, e então iria para casa almoçar, limpar e salgar os peixes que havia pegado para conservá-los. Pela noite quando a maré secasse, viria de novo pescar no mangue do outro lado do rio, estaria assim 3 dias, até retornar para sua casa na vila.

Foto 71 -Dona Paula pescando no Rio Tijuípe.JPG

Dona Paula pescando no Rio Tijuípe

Dona Paula
Dona Maria
Dona Nane
Claudia
Risi
bottom of page