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Barra Grande

Uma vila em transformação

O município de Maraú - Bahia,  localiza-se dentro da  APA (Área de Proteção Ambiental) - Península de Maraú, totalizando um perímetro de 212 Km2 em uma área de aproximadamente 21.200 ha. Componente da zona costeira ao sul de Salvador, conhecida como Costa do dendê, o município contém alguns distritos como Taipu de Fora, Algodões, Campinhos, Taipu de Dentro e Barra Grande, distrito localizado na ponta da Península de Maraú – BA. A vila de Barra Grande posiciona-se na divisa entre a baía de Camamu e o “mar aberto” (Oceano Atlântico), e vem se esabelecendo com importante destino turístico nacional e internacional nos últimos anos, atraindo cada vez mais turistas e grandes empreendimentos turísticos e residenciais de segunda moradia.

O povo do lugar conta que ali, no início, havia uma aldeia indígena, de uma etnia já extinta e desconhecida chamada Mayra. Em 1705, frades Capuchinhos italianos, chegaram à região e estabeleceram-se, construindo uma capela e iniciando o trabalho de cristianização e colonização na região.

 

As memórias mais distantes, mencionam uma grande fazenda de coco e dendê, em que os trabalhadores locais enchiam barcos de dendê para enviar a Opalma, grande fábrica de dendê localizada no recôncavo baiano. Os moradores trabalhavam na fazenda e viviam da pesca artesanal como fonte alimentar principal.

Limites municipais Marau

Igreja localizada no centro da vila de Barra Grande  - data desconhecida

Primeiras famílias de Barra Grande

Seu Aracy, um dos moradores mais antigos da comunidade, conta que a Fazenda pertencia a “tia Rosa”, e por isso o nome Fazenda Roseira. Essa tia que não teve herdeiros, deixou para seus sobrinhos suas terras, porém, antes disso, permitiu a ocupação de alguns terrenos por trabalhadores que construíam suas casas de Taipa em sua fazenda. Um dos herdeiros de Tia Rosa, Zezinho, foi quem herdou a maior parte em que se localiza a vila de Barra Grande, e foi ele quem decidiu lotear e começar a vender os terrenos para os poucos veranistas que vinham passar as férias de verão na vila. Ainda acessível apenas por barcos, as famílias ricas do comércio do Cacau na região, costumavam alugar casas de veraneio na Vila, e assim Barra Grande foi tornando-se um destino turístico. Por sorte, Zezinho, ao lotear a região, adotou uma política social de venda, oferecendo os terrenos a metade do preço para os moradores que haviam ocupado pequenos terrenos para morar, e facilitando as formas de pagamento. Os anciões da Vila acreditam que foi isso que fez com que a permanência da população nativa fosse garantida e apesar do boom turístico e da possibilidade de especulação imobiliária comum no estabelecimento de destinos turísticos. Os filhos de Eliacy, de 72 anos, nativa da vila, são proprietários de mercados e lojas no centro da vila, o que felizmente se repete com muitos nativos, demonstrando que apesar do boom turístico na região, a economia ainda se mantém, em parte, nas mãos nativas. Jacira, pescadora nativa da região, possui um terreno onde vive com toda sua família, na rua principal da Vila, resistindo às investidas de grandes empresários às compras de terras na vila.

Ponte antiga

Um senhor nativo da vila, nos conta que é comum, empresários se unirem para retirar alguma casa que não corresponde aos padrões das casas do entorno. Geralmente essa diferença é marcada pelos estilos de vida: nativo, pescador, e agricultor familiar, que corresponde a uma vida simples, uma casa pequena, mesmo que sejam proprietários de terrenos de muito valor; e moradores ou forasteiros que possuem ou habitam casas grandes e de arquitetura sofisticada, trazida pelos empresários, mas também pelos novos moradores advindos de diversas regiões do país e que mantém casas de segunda residência e de investimentos imobiliários. Grandes empreendimentos turísticos, voltados a públicos de maior renda e com lucros absurdamente maiores, são geralmente propriedades de forasteiros.

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Condomínios de Luxo à beira mar

Atualmente, a vila encontra-se em intensas transformações. Com a chegada do turismo em alta intensidade, o modo de vida local tem se transformado. A vila tem recebido famosos, e grandes empresários do sudeste do país e internacionais, que têm comprado áreas e construído mansões e empreendimentos imobiliários milionários.  Além disso, a globalização, o arrefecimento do capitalismo, mudanças climáticas, e tantas outras mudanças recorrentes em todo o mundo nas últimas 5 décadas, também atingem o pequeno vilarejo e seus moradores.  O aumento demográfico na vila é intenso, mesmo com o difícil acesso difícil ainda pela estrada de areia BA-030, que constantemente está intransitável devido às chuvas ou aos areiais. A estrada, inclusive, é ponto de disputa entre nativos e novos empresários do ramo turístico que possuem opiniões contrárias quanto à construção da rodovia. Por um lado, moradores desejam melhorar seu acesso aos centros urbanos como Camamu, que atualmente só acontece em lanchas de empresas privadas e chegam a custar R$70,00 para moradores uma ida à cidade mais próxima em que se resolvem questões rotineiras como banco, compras, correios… Além disso, a necessidade de transporte urgente como em casos de saúde, estimula o desejo dos nativos a uma estrada asfaltada que os ofereça mais liberdade de ir e vir. Já os grandes empresários, são contra a construção da estrada pois isso popularizaria o público turístico na vila, reduzindo valores e aumentando o impacto ambiental na região.

A pesca artesanal feminina em Barra Grande

Raimunda pescando na ponte

Ao começar a frequentar a vila, e conviver com as pescadoras de lá, fui aprendendo, sobre a pesca e sobre a relações que compõem o território. É fato que o modo de vida pesqueiro em geral, luta por se manter em um avanço crescente do turismo na região, aumento imobiliário, crescimento demográfico, estabelecimento de novas culturas na vila, novas necessidades monetárias e novas formas de interação com o exterior, como as plataformas digitais, são desafios enfrentados diariamente por nativos em geral. Porém, ao aproximar-me das mulheres pescadoras, pude observar que além destas lutas gerais, enquanto nativas da vila na luta pela manutenção de seus modos de vida tradicionais, elas também enfrentam outras batalhas, de gênero, dentro da própria pesca artesanal.

Audio 01 - Loloca contando sobre antigamente
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A pesca artesanal em Barra Grande é tradição da família. Como contam as pescadoras, elas nasceram e cresceram na pesca. Seus pais criaram suas famílias, através da pesca. Em um estilo de vida completamente diferente do atual, as famílias pescavam diariamente seu alimento, e não estocavam, já que não tinham refrigeração. Não se visava o acúmulo, a pesca era feita para consumo imediato, e o que sobrava, era salgado, para conservar e vendido ou trocado em Camamu, para conseguir o sal, a farinha e o açúcar. Uma economia familiar de subsistência, que não visava o lucro, mas sim a manutenção do bem estar social. Esse tempo é memorizado por todas as pescadoras, como um tempo de abundância. Época em que eram felizes, tomadas pelo convívio familiar constante, e a intensa interação com a natureza. Na pescaria noturna com fachos de fogo para pegar a lagosta, na lembrança do sabor das receitas de sua infância, pulando da ponte com seus irmãos e primos, ou caminhando pelo mangue para pegar caranguejo com suas mães, essas mulheres relembram um tempo de alegria, e fazem questão de afirmar:

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“Antes era muito melhor, a gente tinha menos conforto,

não tinha geladeira, nem luz, nem nada dessas coisas de hoje,

mas era muito melhor!”

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Fartura de Lagosta

A saudade delas está associada a outros referenciais não modernos. Para essas mulheres, o advento da tecnologia, o acesso a recursos diversos que geram “conforto”, como refrigeração para estocagem, meios de transporte mais rápidos, televisões, internet e globalização, não representam desenvolvimento no sentido positivo. Seu passado, cheio de limitações como a impossibilidade de estocar comida, lhes geravam não a escassez, mas a sensação de fartura, se pegava apenas o que era necessário, e assim sempre se tinha. Hoje em dia, elas destacam a queda na quantidade de polvos, lagostas e peixes que conseguem pescar. Para elas, o turismo e a tecnologia transformaram a pescaria dali.

Barcos antigos que chegavam cheios de Tainha

Disputando espaço com barcos que vem de outras regiões para pescar em sua costa, inclusive na beira do píer, onde é proibida a pesca com embarcação; ou com tarrafeiros forasteiros que jogam suas tarrafas em cima de suas varas na ponte; ou ainda disputando seu polvejar com mergulhadores cheios de equipamentos tecnológicos que pegam seus polvos antes que cheguem aos corais, essas mulheres resistem, essas mulheres lutam para defender a pesca artesanal, e ao mesmo tempo, o espaço das mulheres dentro da pesca artesanal.  Saudosas de uma época abundante, e permeada por relações familiares respeitosas, essas mulheres lutam para manterem seu espaço na pesca artesanal, e seu modo de vida em um mundo globalizado e cada vez mais capitalista. Seu objetivo principal na pesca, não é monetário, a comercialização pode acontecer, caso haja abundância na pescaria, mas o objetivo dessas pescadoras é alimentar sua família e manter seu vínculo com a atividade pesqueira que compõem sua identidade.

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Camboa e canoas

Existem duas formas de pescaria feminina principal em Barra Grande, localizada na faixa oceânica na vila: os peixes pequenos pegados com varinha nos corais ou no píer -chamado por elas de ponte- e o polvo que se pega com bicheiros, também nos corais, denominados por elas de arrecifes. Elas não pescam para vender, atualmente, pescam por amor, por manutenção de seus modos de vida. No passado, a pesca de seus avós e pais, representava a garantia alimentar de toda a família, mas atualmente, em sua maioria, afirmam que não vivem da pesca, possuem outros meios de sustento, trazidos pelo turismo para a região, como serviços (faxina, camareira, cozinheira), ou como as mais prósperas que conseguiram criar seu próprio negócio como mercados, lojas e restaurantes. Entretanto, conquistarem suas rendas com outros trabalhos, não interfere em suas identidades de pescadoras e marisqueiras.

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Pescadoras nos corais

A pesca para elas, é um momento de estar junto com suas companheiras, em suas palavras, é uma terapia, uma aventura, e uma forma de cuidado. Cada vez que mencionam alguma espécie que pescam, mencionam seus companheiros, filhos e netos que gostam daquela determinada espécie. Compartilham receitas, e demonstram um prazer genuíno na partilha de seus saberes, promovendo o desfrute e o bem estar dos seus familiares.

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O excedente, pode até ser vendido, mas para a maioria delas, elas pescam para comer e alimentar os seus. Não por falta de alimentos, mas pelo vínculo afetivo que esses peixes, polvos e lagostas acionam em si e entre seus parentes. Os peixes pescados na ponte são pequenos e de espécies variadas (chumberga, guaiúba, bodião, chicharro...), e não servem para restaurantes e hotéis. Alimentar essa economia gastronômica pesqueira da vila, cabe majoritariamente aos homens, que saem em barcos, colocam suas gamboas, puxam suas redes em uma técnica chamada calão e jogam suas tarrafas para vender seus peixes ao mercado turístico. 

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Elas pescam para alimentar sua comunidade. Os peixes pequenos são majoritariamente consumidos em suas casas, ofertados a filhos e vizinhos, e vendidos para moradores, que estão dispostos a comprar 1 kg de peixes de várias espécies, para fazer frito ou moqueca. O fundo de sua pescaria é a partilha, não o acúmulo. Elas, em geral, vão à pesca juntas, seja nos corais ou na ponte, ficam à vontade em seu grupo. Pescam juntas, riem juntas e partilham, peixes, brincadeiras, ajudas mútuas, e até o dinheiro ganhado na pesca em alguns casos.

Peixes no samburá

Atualmente, como me informou o presidente da colônia de pescadores de Maraú, existem em Barra Grande cerca de 100 pescadores cadastrados no RGP (Registro Geral da Pesca), sendo que desses 65% são mulheres, mostrando sua força e importância na pesca local. Das 10 pescadoras com as quais convivi, apenas 2 não eram colonizadas, uma porque estava em processo de elaboração de seu registro, e outra porque possui um vínculo empregatício como professora da escola municipal. Das 8 colonizadas, apenas 2 estavam ativas institucionalmente falando, as outras 6 já estavam aposentadas, mas continuam a pescar. A preponderância feminina na pesca artesanal, deve-se à participação das mulheres não apenas na pesca em si, mas no beneficiamento e comercialização do pescado que é majoritariamente feito por mulheres.

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Raimunda na ponte

Existem ainda na vila outras formas de pesca que acontecem no mangue, na Foz do Rio Carapitangui, já dentro da baía de Camamu. Caranguejos, aratus, e lambretas são mariscos comuns de serem colhidos pelas famílias que habitam às margens do rio. Estes são pescados de mão, ou em latas que servem de armadilhas, porém, a pesca no mangue, apesar de já ter sido praticada pela maioria delas, agora restringe-se às famílias das margens do rio Carapitangui. O esforço físico deste tipo de pesca, bem como as mudanças nas leis que proíbem a pesca em períodos de andada ou defeso, tornam esse tipo de pesca mais difícil, e cada vez menos comum na região.

Pesqueiros da Vila de Barra Grande

Lia e Miracy
Loloca Bené e Marisa
Chica
Jacyra
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Técnicas
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