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Marisa, Loloca e Bené

A última geração da pesca artesanal feminina em Barra Grande?

Maria Lúcia, mais conhecida como Loloca, possui atualmente 50 anos,  e afirma que só pesca polvo. Aprendeu com seus pais, e cresceu pegando polvo e lagosta. Hoje em dia, a pesca do polvo representa um prazer e uma renda extra na família.

 

Meu pai pegava peixe de calão, de rede, ali, quando ainda não tinha a proibição.”

Pertencente a geração mais jovem das pescadoras, Loloca é uma das poucas pescadoras da vila que ainda não se aposentou. “Colonizada”, ela esteve presente em todas as idas aos recifes em que estive. Porém, como suas irmãs, ela não pesca na ponte. Não tem paciência, não gosta, e acha muito entediante esse tipo de pescaria. Maria Inês é a irmã do meio, e uma das duas únicas pescadoras não colonizadas no grupo. Bené, como é mais conhecida, está em processo de feitura de seu RGP(Registro Geral da Pesca). No passado, ela não o fez devido a outros vínculos empregatícios, mas agora quer se oficializar.

Bené

Assim como Loloca, Bené afirma que a pesca do polvo, se assemelha a uma caça ao tesouro, um desafio, e é isso que a instiga. Ela pega o polvo pelo desafio que a empreitada representa, o que em sua opinião, não acontece na pescaria de vara, em que se tem que passar muito tempo parada, só esperando. É curioso observar como a geração mais nova lida de maneira diferente com o tempo e a espera. As duas irmãs afirmam que precisam de mais estímulo, e que a pescaria de vara na ponte não atende a essas necessidades, por isso não a praticam.

Marisa, é a irmã mais nova das três, com 44 anos, apesar de “colonizada”, tem ido pouco pegar polvos, atarefada com outros trabalhos pontuais, ela espera que agora possa retomar a pescaria com mais frequência. Já que também para ela, o polvo e o peixe representam uma renda complementar e um enorme prazer. Marisa também pesca peixes de vara, diferente das irmãs, ela consegue a paciência necessária para este tipo de pescaria, mas admite que o que gosta mesmo é da captura do polvo.

O Polvo

Como a mais jovem do grupo, Marisa utiliza a expressão “alcançar”, quando se refere a técnicas e experiências do passado, relatadas pelas pescadoras mais velhas, mas não vivenciadas por ela. Ao reunir o grupo, as mais velhas relembram histórias e experiências com grande saudade e alegria. Como por exemplo, o polvo seco, quando ainda não havia refrigeração e se conservava o polvo, secando ao sol, esticado pela tala de dendê, com a própria água do mar. Assim, conseguiam guardar alguns para o consumo dos próximos dias e comercializar outros em comércios locais da região, como Camamu.

Memórias

Como é comum, ao relembrarem técnicas relembram receitas, como na fala de Chica:

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 “E depois come ele assado na brasa com uma farofinha de dendê…huuummm!!!” 

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Assim como o polvo, os peixes também eram pescados em menor quantidade, e conservados em sal para consumo e venda local. Isso devido a ausência de energia elétrica na vila, que só possuía um gerador a motor que funcionava das 18 às 22 horas. Tais lembranças são frequentemente acompanhadas de expressões como: “Aquilo é que era vida!” Que demonstram certa nostalgia com um tempo em que apesar de haver menos conforto tecnológico,  o prazer do dia a dia era maior.

O Polvo em foco

As mais jovens, como Loloca, Bené e Marisa, escutam com atenção as histórias, e em algumas conseguem se incluir nas lembranças. Compartilhar esse passado é importante para elas. Como as memórias das grandes pescas de peixe que acontecia nas camboas de seus pais, e nas pescas de calão, na qual elas, as mais jovens, já participavam limpando os peixes:

 

“Você começava a limpar peixe às 7 da manhã e só acabava de noite.” 

 

A fala de Marisa vem acompanhada de uma ênfase em uma fartura que já não acontece mais. Apesar de acreditarem ser ainda a vila um lugar abundante em alimentação, existem diferenças. Tais diferenças não estão  vinculadas somente ao volume de peixes pescados, mas a forma como tudo acontecia, em grupo, com todos juntos, a fartura parecia ser maior do que hoje em dia.

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Barco

Marisa relembra que tratou muito camarão em sua juventude, e que isso ajudou a sustentar a família. A memória de fartura do marisco, é comparada a ausência quase absoluta da mesma espécie na região atualmente, o que indica que apesar de algumas mudanças serem relacionadas aos modos de fazer, outras estão diretamente relacionadas a transformações ambientais. O relato da diminuição de muitas espécies é frequente, as lagostas já quase não se encontram mais, assim como os camarões e a quantidade de peixes é cada vez menor. Curiosamente elas associam a queda na quantidade dos pescados às proibições ambientais que, conforme me afirmaram, são muito generalistas e não consideram as especificidades de cada região. 

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“Eles proíbem um período todo errado. Aí quando libera tá cheio de filhote. Eles acham que em todo lugar é igual, mas não é não.”

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E continua:

“Antes deles proibirem tinha peixe à vontade aqui, caranguejo, aí agora proibiram de pescar, e você não vê um. É a proibição que tá acabando com os bichos.”

 

Os conflitos ambientais na região, tem crescido, e para as pescadoras mais novas, têm sido revoltantes as imposições ambientais impostas pela legislação e pelos turistas. Marisa afirma que já não vai mais aos recifes de corais de Taipu de Fora, pois já vivenciou repetidas vezes turistas atacando-as por pisar nos corais.

Buscando Polvo nos corais

“Que não pode pisar nos corais… Que não sei quê… Gente, meus avós, por mais de 100 anos, sempre andou no arrecife e nunca quebrou, nunca destruiu, nunca acabou. Então assim, não somos nós que estamos destruindo. Eu falo gente, vocês usam protetor solar, que aqui antigamente não tinha, quanta gente usando protetor solar? Então não somos nós. Fica catando os búzios que não é pra catar, porque ele vai se decompor ali e virar parte dos corais.”

Proibido pisar nos corais

Conforme me foi confirmado pela própria gestora da Apa de Barra Grande, Érika Campos, não existe nenhuma proibição legal para o pisoteio dos corais, além disso, a própria gestora afirma que essas comunidades possuem profundos conhecimentos e cuidados para a manutenção de seus meio ambientes. Elas comentam sobre os movimentos climáticos que atingem os corais, destacam onde tem água doce quando chove e que branqueia naturalmente os corais; épocas em que os corais são soterrados pela areia, demonstrando um grande conhecimento a partir da observação de longo prazo e compreensão de seu funcionamento cíclico. E se colocam em contraposição a turistas ou novos moradores que 

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“acabaram de chegar e já querem dizer o que é certo e errado e como funciona”.

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Corais

Elas contam que turistas frequentemente alimentam os peixes nos recifes de corais, com alimentos industrializados, e assim causam enorme desequilíbrio na cadeia alimentar dos recifais. A disputa entre turistas e pescadoras, se repete em diversos espaços, como no píer, em que as pescadoras tiveram que resistir à tentativa das empresas de turismo local de restringirem o acesso a turistas e moradores que estivessem utilizando o transporte de lanchas. O espaço, e os modos de vida tradicionais dessas mulheres também têm sido ameaçados por novos moradores, que contraditoriamente, atraídos por uma ideia de “vida na natureza” acabam tentando impor regras e modos de vida urbanos, que desconsideram e desrespeitam os modos de vida tradicionais. Como conta Marisa sobre a nova moradora que chegou à vila com a campanha da reciclagem, e agora faz campanha para não pisar nos corais. Além do modo de vida, elas contam que geograficamente também tudo mudou. 

 

“Antigamente a faixa de praia era muito maior, eu lembro que a gente corria ali tudo.”

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Barreira de pedras de restaurantes à beira mar

Agora as praias estão cheias de pedras colocadas pelos restaurantes feitos muito próximos à água e que são atingidos diariamente pelas marés altas.

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Camboas

Assim, as novas gerações experimentam um modo de vida em transformação, entre o passado não alcançado por elas, de fartura e partilha em família, e um presente cheio de regulamentações ambientais, turistas, e novos moradores que querem impor suas formas de vida e uso e ocupação do solo, descoladas do contexto local e que desconsideram os modos de vida tradicionalmente praticados ali. Nesse cenário, as mais jovens pescadoras, já acima de 40 anos, acreditam que as novas gerações não se interessam por manter seus modos de vida. Em um mundo globalizado e conectado, cheio de novas necessidades, regulações ambientais e tecnologia, seus filhos e netos, em geral, preferem um estilo de vida mais moderno e confortável.

Novas gerações

Como elas mesmas refletem, se a pesca é uma terapia para elas, não é para seus filhos e netos. As interações tecnológicas como redes sociais, internet, celular, são a diversão atual, a interação tecnológica substitui a interação com  a natureza, o prazer de estar no mar, de nadar na lagoa, de andar no mangue.

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Curiosamente, assim, as populações que tradicionalmente ocuparam aquele território, vivendo nele, dele e com ele, aos poucos são deslocadas, para a ocupação de novos moradores, que vem de centros urbanos e trazem consigo outras concepções de interação com a Natureza.

Lia e Miracy
Loloca Bené e Marisa
Chica
Jacyra
Técnicas
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