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Resíduos
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Guardiões da Baía de Guanabara: Toroca

Durante o trabalho de campo, a equipe de pesquisa participou de algumas atividades de coleta de resíduos sólidos na Ilha do Governador e ouvimos pescadores que fazem este trabalho em Magé. Em ambas as localidades, as atividades de coleta de resíduos sólidos são financiadas por empresas petroleiras no âmbito dos programas de compensação ambiental diante dos danos causados pela indústria petroquímica. Essas atividades são mediadas por ONGs nacionais ou internacionais, que gerenciam esses financiamentos e a contratação dos pescadores para a coleta dos resíduos.

Título da pesquisa: "Pescando Plásticos: Os efeitos sociais do lixo na vida dos pescadores artesanais da Baía de Guanabara". Baía de Guanabara, 5 de maio de 2023. Vídeo de Camila Pierobon

Na percepção geral dos pescadores, os programas de compensação ambiental voltados para a coleta de resíduos sólidos na Baía de Guanabara têm uma consequência preocupante: eles temem que esses programas possam, de certa forma, transformá-los em catadores de materiais recicláveis. Embora os pescadores reconheçam a importância da remoção de objetos de grande porte da Baía de Guanabara, eles receiam que essa mudança de papel, de pescador para catador, possa enfraquecer sua identidade original. Além disso, há uma preocupação adicional de que essa mudança de papel possa resultar na redução do número oficial de pescadores artesanais. Isso, por sua vez, poderia levar a um aumento no domínio das indústrias petroquímicas sobre os territórios, tanto aquáticos quanto terrestres.

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Foto: Camila Pierobon. Data: 11/05/2023. Local: Colônia de Pescadores Z-10, Ilha do Governador. A foto apresenta os resultados do dia da coleta de resíduos na Baía de Guanabara.

Nas comunidades situadas na Ilha do Governador, a coleta de resíduos é mensurada em toneladas, o que significa que os pescadores definem sua meta de coleta com base no peso projetado. Como resultado, os pescadores concentram seus esforços na coleta de objetos mais volumosos e pesados, como sofás, colchões, pedaços de madeira e ferro, cordas de navios e outros itens similares. A segunda prioridade na coleta de resíduos é direcionada aos materiais de maior valor no mercado de reciclagem. Isso inclui garrafas PET e outros produtos fabricados com polímeros de melhor qualidade, que são recolhidos pelos pescadores e posteriormente vendidos. Em geral, o dinheiro obtido com a venda dos materiais reciclados é distribuído entre os pescadores. 

 

Dentro da lógica de coleta de materiais baseada na meta por tonelada, os plásticos de uso único, que têm qualidade inferior e não têm valor no mercado de reciclagem, não são recolhidos. Como resultado, esses plásticos de pior qualidade permanecem na Baía de Guanabara, e parte deles acaba sendo levada para o oceano devido ao movimento das marés.

Vídeo: Camila Pierobon. Data: 15/06/2023. Localização: Rio Suruí, Magé. 

Nas comunidades de Magé, a coleta de resíduos ocorre de outra forma. Devido à região abrigar a maior área de manguezais fora da APA-Guapimirim, as organizações não governamentais (ONGs) concentram seus esforços na remoção de resíduos sólidos dos manguezais. Alguns de nossos entrevistados participaram dessas iniciativas e compartilharam conosco suas experiências. Embora a coleta de materiais também se concentre na quantidade de resíduos, de maneira semelhante ao que ocorre na Ilha do Governador, as ações de limpeza em Magé também têm como objetivo a retirada de plásticos das tocas de caranguejo, a fim de preservar seu ambiente de reprodução.

 

No entanto, surge um desafio específico nesse cenário, pois a coleta de resíduos é conduzida de forma territorializada. Isso significa que cada ONG atua em uma área específica do manguezal e é responsável por retirar as toneladas de resíduos desse território específico. No entanto, os pescadores observam que muitas dessas ações ocorrem em áreas designadas como protegidas ambientalmente, isso significa que, nessas áreas, a pesca é proibida ou controlada. Como resultado, essas ações não afetam diretamente as áreas onde os pescadores e caranguejeiros realizam suas principais atividades de pesca.

Plásticos

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Conforme mencionado anteriormente, a maioria dos projetos de coleta de resíduos não aborda a questão dos plásticos de uso único. Durante a realização do trabalho de campo, os pescadores compartilharam conosco a preocupação em relação à enorme quantidade desse resíduo plástico específico que continuamente chega à Baía de Guanabara e se acumula no leito da baía. Em alguns locais, esse acúmulo de resíduos pode alcançar uma espessura de até dois metros. Esses resíduos plásticos acarretam diversos problemas nas atividades cotidianas da pesca artesanal.

O primeiro dos desafios enfrentados está relacionado aos motores dos barcos utilizados na pesca artesanal da Baía de Guanabara, que na maioria dos casos são caícos com motores de apenas 15 hps. Esses motores são relativamente frágeis e tornam-se facilmente suscetíveis a danos quando encontram resíduos sólidos nas águas. Os pescadores nos informaram, por exemplo, que é bastante comum que sacolas plásticas se enrosquem nas hélices, resultando em danos ao motor. Isso produz impacto direto na renda das famílias dos pescadores, pois, por um lado, o dano ao motor reduz o tempo que o pescador pode passar na água, resultando em uma menor captura de peixes. Por outro lado, há o custo direto associado ao conserto ou substituição do motor afetado, representando um ônus financeiro adicional para os pescadores.

Foto: Camila Pierobon. Data: 11/05/2023. Local: Colônia de Pescadores Z-10, Ilha do Governador. A foto apresenta o motor de 15 HP utilizado pela maioria dos pescadores artesanais.

Foto: Camila Pierobon. Data: 11/05/2023. Local: Colônia de Pescadores Z-10, Ilha do Governador. A foto apresenta o motor utilizado pela maioria dos pescadores artesanais em seus caícos, dessa vez com um plástico enrolado na hélice.

As sacolas plásticas também têm um impacto negativo para as redes de pesca. Uma das técnicas tradicionais de pesca de pequeno porte normalmente utilizadas na baía envolve o uso de redes de espera. Para aplicar essa técnica, os pescadores partem nas primeiras horas da madrugada, posicionam suas redes dentro da Baía de Guanabara e retornam horas depois para recolher os peixes capturados. No entanto, devido ao movimento das marés, os resíduos sólidos também são deslocados pela água. Portanto, é bastante comum que sacolas plásticas, e especialmente as embalagens de cerveja cujo plástico é mais resistente, se prendam tão firmemente nas redes que acabam por rompê-las.

Rede de Espera

Na perspectiva dos pescadores, o plástico reduz a vida útil das redes de pesca. Os pescadores mais experientes recordam um tempo em que havia menos resíduos na Baía de Guanabara e as redes podiam durar até 5 anos, enquanto hoje mal resistem por 6 meses. Isso resulta em um impacto negativo na renda doméstica dos pescadores, na medida em que eles precisam consertar ou comprar uma nova rede. Esses plásticos também contribuem para uma maior quantidade de resíduos, uma vez que as redes de pesca prejudicadas pelos plásticos podem se soltar e acabar no leito da baía.

Jogando a Rede

Pneus

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Foto: Camila Pierobon. Data: 22/05/2023. Local: Ilha do Governador.

Durante a pesquisa, nos deparamos com um problema alarmante: o considerável volume de pneus descartados de forma irregular nos rios que deságuam na Baía de Guanabara. Essa questão se revela prejudicial tanto para a atividade pesqueira quanto para os esforços de reciclagem. De um lado, quando esses pneus alcançam o leito da baía, eles se enchem de lama e se transformam em objetos pesados que rompem as redes dos pescadores. Ao mesmo tempo, para esses pescadores, não é viável economicamente recolher os pneus, por um lado, porque eles não têm material para a coleta de um material tão pesado, segundo, que a empresa de reciclagem de pneus está localizada a duas horas de distância da cidade do Rio de Janeiro. Essa distância representa um obstáculo intransponível devido à falta de recursos para o transporte por parte dos pescadores, à ausência de financiamento da ONG para esse transporte e à falta de responsabilidade das prefeituras das cidades que margeiam a Baía de Guanabara em relação à questão.

Como resultado, os pneus permanecem na baía e se acumulam, sofrendo decomposição e liberando gases e líquidos tóxicos que agravam ainda mais a fragilidade desse ecossistema. Atualmente, é importante ressaltar que 24% da composição de um pneu é composta por borracha sintética, um polímero plástico. Assim, nos parece importante incluir os pneus no debate sobre os prejuízos que o plástico provoca na pesca artesanal e no meio ambiente.

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