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Foto 109 - Reunião Universidade de San Diego e Coordenação da Rede de Mulheres do Litoral
Rede de Mulheres contra o Machismo Estrutural

Com o surgimento da AMEX em 2006, pescadores e marisqueiras passaram a ser defendidos por ela, que abraçava todas as associações que já existiam, na época 6, e as que surgiram desde então, atualmente 14 organizações. Porém, os espaços políticos, culturalmente, eram espaços majoritariamente masculinos. Enquanto as mulheres cuidavam de seus filhos e da casa, as relações políticas e os espaços de poder e tomada de decisão eram ocupados por homens. Assim, a AMEX observou que a participação feminina em reuniões, associações e processos de tomada de decisões era pequena. As questões femininas não eram trazidas para as discussões, assim como os postos de liderança, que permaneciam entre os homens.

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Foi assim que em 2009, a partir de um edital do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), e com o apoio de uma técnica do Conservation International (CI), Jaqueline Rodrigues e a coordenadora na FGV-EAESP, Isabela Curado, as pescadoras e marisqueiras da RESEX de Canavieiras criaram a Rede de Mulheres do Litoral Sul da Bahia, com o intuito de  empoderar as mulheres a partir da escuta de suas questões, fortalecimento de lideranças femininas e a participação delas nos espaços políticos de tomada de decisão. A Rede de Mulheres, desde então, vem desenvolvendo um trabalho de empoderamento feminino desde as bases, ouvindo as questões vivenciadas pelas pescadoras marisqueiras e agricultoras familiares sem seus cotidianos, oferecendo-lhes palestras cursos e oficinas que as auxiliem nas mais diversas áreas pessoais, profissionais, sociais e políticas.

Foto 104 - Rede de Mulheres em comemoração pelo dia das mulheres.JPG

Rede de Mulheres em comemoração pelo dia da Mulher

Uma das grandes questões enfrentadas pela Rede de Mulheres, desde o seu estabelecimento e ainda hoje, se trata da violência doméstica muito alta nas comunidades da RESEX. A informação tem sido a principal ferramenta de combate às mais diversas violências físicas, emocionais, patrimoniais e institucionais por essas mulheres. É comum relatos de mulheres como Dona Maria do Caranguejo, que afirmam que a partir da Rede de mulheres, descobriram que não eram obrigadas a aceitar tais violências. Relações sexuais indesejadas, violência física e controle do dinheiro, e violência emocional eram experiencias cotidianas que elas vivenciavam sem saberem que podiam dizer não. Durante a celebração do dia da Mulher em 2023, realizada pela Rede de Mulheres na comunidade de Atalaia pude presenciar cerca de 200 mulheres reunidas para discutir suas questões, possibilidades de melhorias e transformação, mas também para se acolherem, para desabafarem, relatarem suas dores e se sentirem acolhidas e apoiadas pelas outras.Além da força política mais atuante atualmente na RESEX de Canavieiras, como me afirmou Gesiani, uma das coordenadoras da Rede, a Rede de mulheres é um lugar de segurança, confiança e comunhão feminina. Suas oficinas, projetos e esforços visam empoderar e libertar mulheres em condições adversas. Exemplos disso, são as oficinas de produção de compotas e doces como alternativa de renda, ou a prioridade estabelecida na lista do Programa PNHR - Programa Nacional de Habitação Rural que oferece financiamentos de casas para mulheres em situação de violência doméstica.

Rede de de Mulheres contra a violencia doméstica

Outra importante frente da Rede de Mulheres está voltada à saúde específica da mulher pescadora e marisqueira, já que estas mulheres estão submetidas a condições muito específicas que geram doenças típicas da vida no mangue como: Fungos vaginais devido a umidade constante pela permanência durante muitas horas na água; Doenças de pele e micoses pelo corpo devido ao contato com constante com a lama do mangue, fungos e bactérias além da exposição frequente ao sol e aos mosquitos; Tromboses e outras doenças circulatórias devido a força extrema feita na caminhada pela lama do mangue; Doenças vertebrais e lombares devido a posição curvada necessária para caminhar pelas galhas do mangue e por muitas horas sentada para o beneficiamento dos mariscos; Artrite e inflamações articulares nas mãos pela trabalho excessivo na catagem dos mariscos; Infecções pulmonares e respiratórias, especialmente no inverno devido ao longo tempo com o corpo úmido (friagem).

Foto 106 - Reunião das Mulheres da Associação de Pescadores e catadeiras de camarão de Can

Reunião das Mulheres da Associação de Pescadores e catadeiras de camarão de Canavieiras

Essas são apenas as doenças mais comuns sofridas por essas mulheres que precisam de atendimento especializado para suas condições de trabalho. O relato de atendimentos médicos em postos de saúde públicos que não conhecem e não consideram suas realidades específicas em seus diagnósticos e tratamentos é constante. Como me foi afirmado inúmeras vezes, essas mulheres carecem de um olhar médico que considere sua realidade social e ambiental e lhes ofereça tratamentos que sejam possíveis para seus contextos sócio-econômicos. Nesse sentido a Rede de mulheres tem oferecido alternativas para auxiliá-las em seus cuidados de saúde, como a distribuição de EPIs com botas, luvas e roupas com proteção UV (Contra raios Ultra Violeta), além de oficinas orientando sobre higiene pós pescaria, e outras formas de autocuidado na tentativa de reduzir os danos causados à saúde das marisqueiras e pescadoras.

Outro ponto de luta da Rede de Mulheres  tem sido a visibilização e valorização da mulher pescadora, já que uma das grandes questões vivenciadas por estas mulheres ainda hoje é a sensação de invisibilidade. Socialmente existe um senso comum da pesca como algo masculino, uma mistura de valorização da aventura de sair ao mar, mesclada com o machismo estrutural que mantém as mulheres no nível doméstico responsáveis pelo cuidado dos filhos e da casa. Esse senso comum desconsidera toda a participação feminina na pesca, seja no beneficiamento dos pescados masculinos, seja em toda a pescaria feita no continente, seja na praia, no mangue, ou nos rios em que as mulheres pescam mariscos e até peixes para o alimento familiar e para compor também a renda doméstica.

Limpando Camarão - Perdendo as digitais

O sentimento de invisibilização destas mulheres é sentido inclusive institucionalmente, já que são constantemente questionadas e confrontadas ao se afirmarem como pescadoras nos órgãos públicos no exercício de seus direitos. A dificuldade em se aposentar pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) é muito comum, e inclusive já é de praxe na região, após a negativa do governo ao pedido de aposentadoria, a pescadora/marisqueira entrar na justiça para exigir seus direitos com o advogado algumas vezes apoiado pela AMEX e conseguir a aprovação.

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“Todo ano eu tenho que ir lá comprovar que eu sou pescadora, um médico vira médico e não precisa ficar todo ano comprovando de novo que é médico não.”

Foto 105 - Gesiane Santos - Coordenadora da Rede de Mulheres do Litoral Sul da Bahia.JPG

Gesiani Leite,  Coordenadora da Rede de Mulheres do Litoral Sul da Bahia

A fala de Gesiani  reflete a sensação de desrespeito e preconceito com o ofício pesqueiro que se manifesta cotidianamente nos atendimentos nos órgãos governamentais. Relatos de questionamentos e maus tratos devido ao modo de vestir ou falar das pescadoras e marisqueiras refletem um aparato estatal despreparado para lidar com as comunidades pesqueiras. Tal despreparo e desrespeito se confunde entre as diversas organizações governamentais. A colônia, por exemplo, é acusada frequentemente de enganar pescadores e marisqueiras, cobrando taxas por anos que não são repassadas devidamente, gerando grandes problemas na contagem de tempo para aposentadoria e na validação e regularização do Registro Geral da Pesca. Porém, isso está mudando. O sentimento de finalmente serem vistas, reconhecidas e valorizadas é frequentemente relatado entre as pescadoras e marisqueiras dentro da RESEX:

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“Agora que nós tá sendo reconhecida”

pescadoras invísiveis

Atualmente a AMEX é composta de 80% de mulheres, que encontraram na Rede a possibilidade de participarem politicamente dos espaços de liderança e tomada de decisão, fortalecendo-se e passando a ocupar os postos de poder em suas associações. Conforme me afirmou a coordenação da Rede, atualmente existem mulheres em todos os postos de liderança das associações que compõem a AMEX, sendo que em  algumas diretorias estão exclusivamente mulheres. A luta pela manutenção da RESEX, inclusive, tem sido especialmente das mulheres.

Sede da Rede de Mulheres do Litoral Sul da Bahia

Em diversos momentos a força feminina foi acionada para confrontar grupos contrários à RESEX que fazem manifestações e votações irregulares na Câmara de deputados, apoiada pela prefeitura e pela colônia de pescadores para alterar os termos de uso e ocupação do território. O atual prefeito, contrário à RESEX, atua em parceria com a presidente da colônia que é um cargo de indicação federal, em uma instituição que deveria representar os pescadores, pescadoras e marisqueiras, mas que conforme tem sido constantemente comprovado, tem atuado para prejudicar essas populações com manuseio indevido de suas documentações, abandono de processos e desinformação, deixando a comunidade pesqueira a própria sorte.

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Rede de mulheres enfrentando as adversidades

Por sorte a Associação Mãe, tem acolhido essa comunidade e lhe oferecido os serviços e suportes relacionados à categoria que deveriam ser oferecidos pela Colônia. E a Rede de mulheres, segue confrontando com grande número de participantes as manifestações convocadas pelo prefeito, que oferecem inclusive bebida alcoólica, músicos famosos, ameaças e incitações de violência contra os representantes da AMEX e da REDE. A  má gestão municipal e na colônia de pescadores atualmente, prejudica a vida das pescadoras e marisqueiras, o acesso a seus direitos e à imagem estatal frente à eles que não confiam na colônia, nem no estado como uma ferramenta de apoio a seu ofício. A invisibilização da mulher pescadora/marisqueira, reforçada pelo estado justifica, conforme me foi relatado pela coordenação da Rede de Mulheres, muitos casos de depressão entre essas mulheres oprimidas pelo machismo estrutural que as impede de identificarem-se como pescadoras e serem reconhecidas por sua forma de vida, ofício e história.

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Dona Maria e sua nora Marcela- catadoras de caranguejo

Frente a tantas dificuldades, as mulheres pescadoras e marisqueiras da RESEX de Canavieiras, se organizam e lutam para enfrentar as mais diversas adversidades que constantemente lhes confrontam. As soluções encontradas para lidar com vazamento o grande vazamento de petróleo ocorrido na costa do Nordeste em 2019, a pandemia do Coronavírus em 2020, e enchentes que assolaram a região nos verões de 2021 e 2022, foram ancoradas principalmente pela Rede de Mulheres, para garantir condições mínimas de sobrevivência a todas as comunidades da RESEX. Em Canavieiras a dimensão de luta coletiva compõe a identidade de uma mulher pescadora. E assim seguem inspirando outros movimentos femininos nas diversas unidades de conservação pelo país. A Rede de Mulheres do Litoral Sul da Bahia, figura atualmente como importante referência de movimento político de empoderamento feminino e no ano de 2023 participou junto a outras organizações femininas da criação da Rede Nacional de Mulheres das Marés e das Águas, ocorrido no encontro Nacional da CONFREM (Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos)  para fortalecer a articulação das mulheres no Brasil  e incentivar a criação de novos coletivos e movimentos.

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Yemanjá - a mãe dos pescadores no porto de Canavieiras

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