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Comunidades  da Reserva Extrativista de Canavieiras - 

conflitos ambientais e conquistas comunitárias

A RESEX de Canavieiras é composta por diversas comunidades, muitas delas isoladas pelo rio, sem acesso rodoviário e dependentes da maré para se locomover para Canavieiras, a sede do município, ou até mesmo cidades maiores onde tem acesso a hospitais e universidades.

A AMEX- Associação Mãe do Extrativistas da RESEX de Canavieiras, busca apoiar as diversas comunidades, enfrentando suas questões específicas, e trazendo melhorias para cada contexto. Porém o território é grande, e sem o apoio do governo a nível municipal, os conflitos vivenciados por essas comunidades, muitas vezes são ignorados pelo poder público. Relato aqui, alguns dos conflitos que tomei conhecimento durante minha estadia na RESEX. Alguns tipos de conflito se repetem em diversas comunidades, como as fazendas de camarão que despejam sua água contaminada nos rios que banham toda a RESEX, assim, a carcinicultura é um conflito constante, que atinge diversas comunidades. Nas fazendas de camarão, o procedimento usual é a imersão dos camarões em água contendo gelo e metabissulfito de sódio, para provocar uma morte rápida e inibir a melanose, a  água contaminada destes tanques é frequentemente despejada em corpos hídricos, provocando a morte da flora e da fauna aquática da região.

Redução dos pescados

Proprietários de Fazendas de camarão, combatem a Reserva Extrativista junto ao atual prefeito da cidade e empresários do setor turístico que buscam alterar as regras de uso e ocupação do solo e dos recursos naturais dentro da RESEX através da criação de uma Área de Proteção Ambiental. Com regras rígidas sobre compra e venda de propriedades dentro da área da RESEX, os setores imobiliário e turístico enfrentam a garantia de permanência das comunidades tradicionais em seus territórios de origem. As regras da RESEX protegem a comunidade do típico processo de gentrificação que acontece em muitas cidades litorâneas da Bahia. Sem poder comprar as terras beira mar, o setor turístico não consegue expulsar as famílias pesqueiras dos paraísos que desejam comercializar.

Puxim do sul

Associação dos Pescadores de Puxim do Sul

As comunidades de Puxim do Sul  e Puxim da Praia, se complementam, Puxim do Sul está localizada na beira da estrada BA-001, e Puxim da Praia está localizada à beira mar, acessível apenas de barco, de acordo com a maré. Assim, muitas famílias vivem em Puxim do Sul para terem acesso a urbanização, e mantêm roças e casas em Puxim da Praia onde vão pescar e cultivar alimentos como mandioca, banana, coco e dendê.

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Mesmo representando o lugar da urbanização, Puxim do Sul não possui abastecimento de água adequado, e a população, cerca de 300 famílias,  recebe água de um poço que é bombeado pela prefeitura por um gerador apenas às terças, quintas e sábado. A dificuldade de acesso à água potável é uma grande questão na comunidade que vive essencialmente da pesca e da catagem do Aratu, exercida por cerca de 90% de mulheres que compõem a Associação dos Pescadores de Puxim do Sul. A grande quantidade de cascos de mariscos que são descartados, vem sendo uma questão para a Rede de Mulheres que buscam orientar e auxiliar essas mulheres a destinarem corretamente os cascos, enterrando-os, para reduzir mal cheiro na comunidade e a proliferação de doenças, apesar da falta de água que dificulta a correta higienização.

Campinhos

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Porto da comunidade de Campinhos

Campinhos é outra comunidade que funciona conforme a maré. Acessível somente via fluvial, a cerca de 1 hora de barco de Canavieiras, a comunidade encontra-se isolada. Sem um serviço de pronto atendimento de saúde na comunidade e sem escola a partir do quinto ano, muitos jovens têm abandonado sua comunidade para buscarem melhores condições de vida. Os que permanecem, acabam abandonando os estudos devido a dificuldade de acessá-los. Como relatou Railane, de 22 anos, moradora da comunidade, ela precisou abandonar os estudos já que não era possível sair de casa todos os dias às 4 horas da manhã para pegar o transporte de barco, deixando a filha pequena.

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A comunidade de Campinhos vive principalmente de aratu, ostras e outros moluscos, além do cultivo de coco, banana, mandioca e da colheita de mangaba, que acontece anualmente durante a época do fruto, e dura cerca de 3 meses. A mangaba é uma importante produção local para deixar o mangue respirar,. Com uma produção de aproximadamente 40 toneladas por mês, durante esses três meses, o mangue de Campinhos não é pescado e se renova, mantendo seu equilíbrio. Porém, com a falta de uma fábrica adequada para o processamento da fruta, muita coisa se perde.  Inspiradas pela história da Associação de Catadoras de Mangaba de Sergipe, a Associação de Pescadores e Agricultores de Campinhos busca a construção de uma fábrica que possibilite o armazenamento e processamento dessas e outras frutas da região  para a produção de polpas, doces, licores, cerveja, bombons e outros produtos que agreguem valor a sua produção e reduza as perdas que atualmente acontecem devido a comercialização in natura.

Foto 117 -Sede da Associação dos Pescadores e Agricultores de Campinhos.jpg

Sede da Associação dos Pescadores e Agricultores de Campinhos

Além do isolamento e da falta de estrutura, a comunidade sofre com um grande conflito ambiental que se deve a criação de um grande pasto para gado com uma licença concedida  pelo INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) dentro da área da RESEX. Esta fazenda impede o trânsito dos pescadores pelas áreas de mangue onde costumavam transitar para o exercício de suas práticas de pesca e agricultura. São diversos os relatos de ataques e ameaças a moradores da comunidade ao passarem pelos caminhos que sempre fizeram e agora estão impedidos pela fazenda. Além disso,  a fazenda construiu uma grande vala para captação de água, que está drenando a água potável da comunidade que não possui água encanada. A questão está em processo no ministério público desde 2018, mas ainda sem uma intervenção real em favor dos extrativistas da comunidade.

Belmonte

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Comunidade de Belmonte

A comunidade de Belmonte também está localizada fora da área da RESEX, no extremo Sul da área de abrangência, sendo que muitos de seus moradores pescam dentro da área da RESEX, especialmente camarão e sardinha com o uso de tarrafas e redes. Assim, o trabalho feminino na pesca em Belmonte está principalmente no beneficiamento de peixes e camarões pescados pelos homens, além da pesca de aratu e caranguejo no manguezal. Por isso, a Unidade de Beneficiamento conquistada através de vários editais pela Associação das Pescadoras e Marisqueiras de Belmonte faz tanto sentido. Sendo a única associação exclusivamente feminina, a organização tem lidado constantemente com o machismo da colônia de Pescadores, órgão do governo federal para representatividade da comunidade pesqueira, e tem conquistado com o apoio da AMEX, direitos e melhorias para a comunidade pesqueira, a partir do combate aos danos ambientais causados pelas empresas presentes no território.

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Em 2014, a AMEX conseguiu impor medida compensatória à Queiroz Galvão (empresa que explora petróleo na região) estabelecendo a construção de sedes para todas as Associações que vinculadas a RESEX- naquele momento eram 9 associações de grupos extrativistas da RESEX de Canavieiras. Dentre elas, foi construída a Sede da Associação de Pescadoras e Marisqueiras de Belmonte, que de maneira visionária, já exigia um terreno que posteriormente poderia incluir a Unidade de Beneficiamento, conquistada em outra medida compensatória em 2021, desta vez pela empresa Veracel que explora celulose na região. Em 2023 a Unidade de Beneficiamento recebeu equipamentos através do edital Bahia Produtiva, com o apoio da AMEX.

Associação de Pescadoras e Marisqueiras de Belmonte

Todas essas conquistas visam a garantia do modo de vida pesqueiro na comunidade, criando condições melhores para o desenvolvimento da atividade e a qualidade de vida e trabalho, porém, a comunidade ainda enfrenta grande conflito que vem ameaçando o modo de vida pesqueiro na região, a Usina hidrelétrica de Itapebi, construída à jusante do Rio Jequitinhonha, que possui sua Foz no município de Belmonte, a construção e operação da Usina tem causado grandes danos à comunidade. A alteração dos curso dos rios e a formação de bancos de areia impedem a passagem dos pescadores e restringe a locomoção às marés.Para ir a Belmonte de Canavieiras, gasta-se cerca de 1 hora e 30 min.  pelo rio, mas só se chega e sai, com a maré cheia. Tal condições retirou muitas mulheres da pesca, já que agora não conseguem encaixar suas rotinas domésticas-familiares com a maré, como me afirmou Pedrina, importante pescadora e liderança da Associação de Belmonte:

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“Agora se eu for pescar, e ter que esperar a maré encher de novo pra eu voltar, meu filho não vai pra escola.”

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Além disso, a abertura frequente de comportas sem nenhum aviso à comunidade, aumenta rapidamente o nível do rio, colocando em risco a vida dos que pescam e mariscam no rio,  destruindo equipamentos dos pescadores (canos, redes), devastando o leito do rio que permanece vários dias sem pescados e chegando até mesmo a causar inundações na comunidade, sem se responsabilizar ou ressarci-los de seus danos.

Atalaia

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Associação dos Pescadores, Marisqueiras e Moradores da Atalaia

A pesca em Atalaia é principalmente marítima, e por isso muito masculina, já que se trata de uma comunidade à beira mar, porém, a captura do siri é uma especialidade das mulheres pescadoras e marisqueiras de Atalaia. Devido a sua localização privilegiada, envolta entre o rio e o mar, a comunidade de Atalia é uma das mais atacadas pela especulação imobiliária. A maior questão vivenciada pela comunidade atualmente diz respeito a um proprietário de terras na região. Apesar de sua propriedade estar localizada na margem contrária do rio que envolve a Comunidade de Atalaia, o proprietário, confronta os extrativistas tentando impedir sua passagem pelo mangue. O abuso do proprietário se dá de muitas maneiras, colocando cercas elétricas dentro do manguezal, soltando cachorros e atirando nos pescadores e marisqueiras dentro do mangue, e colocando câmeras de vigilância no pier comunitário, fora de sua propriedade. Além de tudo isso, o proprietário instiga a comunidade contra a RESEX, espalhando mentiras e criando conflitos internos entre pescadores e resex.

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Camera no Pier comunitário da Atalaia

Barra Velha

Associação dos Pescadores, Marisqueiras e extrativistas de Barra Velha

A comunidade de Barra Velha é onde nasceu a Reserva Extrativista de Canavieiras, com sua associação anterior a criação da resex, a comunidade vivenciou grandes conflitos com fazendeiros de gado e fazendas de camarão que motivou o movimento de união com as outras comunidades para a criação da RESEX. Quando ativa, o presidente em exercício da antiga associação, foi inclusive perseguido, ameaçado e acusado por fraude na documentação da associação que foi por fim fechada, como me relatou Mara, filha de Barra Velha. Atualmente existe a Associação dos pescadores, Marisqueiros e extrativistas de Barra Velha, presidida por Ernesto, grande liderança da coordenação da AMEX. Devido aos conflitos, atualmente a associação possui apenas 12 associados.A violência desses fazendeiros envolveu diversos ataques e ameaças, e a comunidade vivencia até hoje a soltura de cães em extrativistas que tentam passar pelo mangue. Além disso, o gado come a vegetação e destrói o mangue, contaminando o solo.

Casa de Taipa na Comunidade de Barra Velha

Barra Velha está a 1 hora e 30 minutos de barco de Canavieiras, e é acessível também via rodoviária utilizando uma balsa privada que atravessa veículos, porém por ser privada, a balsa não é acessível a todos e também depende da maré e do clima para funcionar. O isolamento da comunidade, e a falta de estrutura pública - atendimento de saúde e escola- tem causado o esvaziamento e envelhecimento da população, já que os jovens precisam se mudar para buscarem melhores condições de vida. Como o caso de Mara, que se mudou para Canavieiras com sua família para suas filhas estudarem, e só assim, ela mesma pode concluir seus estudos. Mara relembra tempos de festa e prosperidade em Barra Velha, porém com os diversos conflitos ambientais, e o abandono da população por parte do poder público devido aos interesses dos fazendeiros de gado e camarão que circundam a região, tem gerado o esvaziamento da comunidade que até hoje não conta com água encanada e nem energia elétrica.

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Oiticica

Associação dos Pescadores e Marisqueiras de Oiticica

Oiticica está localizada também às margens da BA-001, fazendo divisa com Comandatuba, a comunidade é famosa pela pesca e preparo do Baiacu, espécie de peixe que exigem conhecimentos profundos de captura e preparo, já que possui um veneno que causa morte se não retirado da maneira correta como me explicou Dona Irá, famosa por oferecer Baiacus confiáveis para o consumo. Além do Baiacu, a captura e catagem do Aratu também é parte importante da economia da comunidade. Porém, devido à proximidade com o grande Resort Comandatuba, tem tirado muitos pescadores e marisqueiras de seus ofícios tradicionais. Como a vida no mangue é muito dura, cansativa, mal remunerada e causadora de muitas doenças, muitos jovens acabam buscando outros postos de trabalho no Resort na busca por melhores condições de vida. A questão é que em muitos casos, esses jovens ocupam subempregos, sendo também mal remunerados e muitas vezes maltratados e desrespeitados por seus modos de vida e cultura. Assim, relatos de pessoas que tentaram trabalhar no Resort e retornaram para o mangue são constantes e falam sobre a importância do auto respeito, e da liberdade de trabalhar para si mesmo, respeitando seu ritmo e não se submetendo a agressões como ouvi durante a reunião na Associação dos Pescadores e Marisqueiras do Povoado de Oiticica:

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“No mangue você não tem que ouvir nada de ninguém, só o canto dos passarinhos.”

A pesca como liberdade

Mesmo com as muitas dificuldades relatadas devido aos diversos conflitos ambientais vivenciados na RESEX pelas comunidades, por outro lado existem comunidades que vivenciam grandes conquistas da Reserva e que também merecem ser mencionadas.

Puxim da Praia

Apesar do isolamento da comunidade, que só é acessada via fluvial conforme as marés, a Associação de Moradores, Agricultores e Pescadores de Puxim da praia, conquistou a partir dão apoio da AMEX na candidatura para o edital Bahia Produtiva do governo estadual, um projeto que visa a construção de uma fábrica de óleo de coco, na comunidade, valorizando a prática tradicional de extração de coco, gerando empregos e renda para a comunidade e aproveitando ao máximo os diversos produtos gerados a partir do cultivo do coco.

Pedra de Una

Associação dos Pescadores e Marisqueiras de Pedras de Una

A Comunidade de Pedra de Una está acessível a partir da BA-001, e localiza-se a aproximadamente a 25 km de Canavieiras, sendo a comunidade mais ao norte abrangida pela RESEX. Já fora da área da Reserva Extrativista, a comunidade vive principalmente do que extrai dentro da RESEX. O Aratu é a atividade pesqueira feminina principal, além da pesca nos rios, geralmente masculina. Por estar fora da RESEX, a comunidade de Pedras de Una está menos submetida a conflitos ambientais, já que os interesses financeiros de empresários não são confrontados por regulações ambientais que os impeçam. Com uma população bastante empobrecida, a Associação de Pescadores e Marisqueiras de Pedras de Una conquistou neste ano, com o apoio da AMEX através do edital Bahia produtiva, a verba para a construção de uma fábrica de gelo na comunidade, gerando empregos e renda, além de distribuir dentro da RESEX um produto de alta demanda para pescadores(as) e marisqueiras. A fábrica de gelo de Una retrata bem o estilo de atuação da AMEX e suas Associações, a partir da autonomia, essas instituições lutam por melhores condições de vida para todos os beneficiários da RESEX.

Fábrica de Gelo de Pedra de Una

Curva do Leão

A comunidade de Curva do Leão é acessível pela BA-001 e está a aproximadamente 14 km de Canavieiras. Voltada principalmente à captura do Guaiamum, Curva do Leão desfruta do benefício conquistado pela RESEX de Canavieiras de ser  o primeiro lugar no Brasil a conquistar a licença para a captura do guaiamum, já que comprovou-se que na região o animal não está em risco de extinção. Dado que é anualmente reafirmado com o Programa de monitoramento do Guaiamum desenvolvido pelo ICMBio em parceria com os pescadores e pescadoras da comunidade. O programa de monitoramento do Guaiamum, consiste em delimitar uma área de 100m2 e registrar todas as tocas do guaiamum, e seus tamanhos. Essa medição, comprova a não extinção da espécie e permite a sua captura através do Plano de Gestão Local (PGL) do Guaiamum na RESEX de Canavieiras.

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